Há mais de dois anos, o Brasil não realiza o monitoramento do consumo de medicamentos que requerem prescrição médica.
Em novembro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por essa supervisão, suspendeu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) devido a uma “instabilidade”.
Esses medicamentos controlados, abrangendo opioides, antibióticos, entorpecentes, psicotrópicos e outros, são essenciais para tratar dores crônicas, problemas psiquiátricos e formas graves de acne, mas seu uso requer monitoramento devido aos riscos de sequelas graves e até mesmo morte.
A solução para esse problema parece distante no curto e médio prazo, na qual a agência afirma estar “estudando soluções viáveis e necessárias para o restabelecimento do sistema”.
Entretanto, as implicações dessa lacuna nos dados nacionais de prescrição e venda desses medicamentos são graves para a saúde pública do país. O enfraquecimento da fiscalização, aumento do consumo abusivo, automedicação, desvios para uso ilícito e possíveis fraudes são algumas das consequências imediatas, conforme destacam o médico sanitarista e ex-diretor-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina, e a farmacêutica especialista em farmácia hospitalar (UFF) e saúde pública (ENSP/Fiocruz), Michele Costa Caetano.
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“A gente sabe que já existe venda de antibióticos sem receita em algumas farmácias. Imagine agora sem esse sistema?”, questiona Michele Costa. “Uma consequência imediata é a venda desses medicamentos sem receita”, opina a farmacêutica.
Gonzalo Vecina, um visionário na área da saúde, destaca o papel vital do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), que, desde 2007, passou a monitorar digitalmente as movimentações de medicamentos em farmácias e drogarias privadas, assegurando o controle necessário.
Entretanto, a Anvisa nos tranquiliza ao afirmar que o SNGPC é apenas uma ferramenta de apoio, ressaltando que a escrituração da venda de medicamentos controlados ainda é realizada pelos estabelecimentos, podendo ser confrontada com documentos armazenados.
Contudo, vale refletir sobre a limitação dos dados atuais, baseados apenas na produção, insuficientes para diagnosticar com precisão o consumo. Michele Costa e Gonzalo Vecina nos lembram da importância de uma avaliação mais abrangente.
Com mais de 104,6 mil farmácias autorizadas a dispensar medicamentos sujeitos a controle especial, a descentralização da fiscalização nas vigilâncias sanitárias locais é uma realidade. Diante dessa descentralização do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), torna-se evidente a ausência de um diagnóstico nacional das fiscalizações. É hora de considerarmos a importância de uma abordagem nacional para garantir a segurança e integridade em nosso sistema de saúde.
Gonzalo Vecina, figura fundamental na criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e o primeiro presidente da Anvisa, esclarece que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) deu um salto digital em 2007. Desde 2014, esse sistema tem sido crucial, monitorando minuciosamente as transações de medicamentos em farmácias e drogarias privadas em todo o país.
Contudo,a Anvisa minimiza o papel do SNGPC, classificando-o como apenas uma ferramenta de apoio ao controle e fiscalização. A agência destaca que a escrituração da venda de medicamentos controlados ainda é realizada pelos próprios estabelecimentos e pode ser confrontada com documentos armazenados.
Entretanto, os entrevistados alertam para a fragilidade das estimativas atuais de consumo, baseadas exclusivamente em dados de produção, incapazes de proporcionar um diagnóstico fidedigno. A Anvisa alega que as fiscalizações não estão vinculadas ao SNGPC, utilizando outros dispositivos de controle, como a escrituração da movimentação e documentos comprobatórios, dentro das mesmas regras sanitárias preexistentes.
Num país com cerca de 104,6 mil farmácias autorizadas a dispensar medicamentos sujeitos a controle especial, a descentralização da fiscalização para as vigilâncias sanitárias locais, devido à natureza do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), torna evidente a ausência de um diagnóstico nacional dessas fiscalizações. Esta lacuna é preocupante, pois compromete a capacidade do país de implementar políticas públicas eficazes, as quais dependem fundamentalmente de dados e evidências sólidos. É imperativo preencher essa lacuna para assegurar o êxito das iniciativas governamentais em prol da saúde pública.
“Um dos objetivos de se monitorar é ver desvios de consumo. Então, durante a pandemia, a gente viu um grande desvio de consumo de medicamentos diversos, e um aumento absurdo de azitromicina nesse período”, relata. “O consumo começou a cair depois que a vacinação avançou. Mas sem os dados de 2022 e 2023, não conseguimos saber se o padrão de consumo voltou ao que era antes da pandemia”.
A dimensão do problema brasileiro reverbera globalmente na saúde pública, destaca a especialista, uma vez que a Organização Mundial de Saúde (OMS) baseia suas estimativas e relatórios nas informações fornecidas pelos Estados-membros.
Assim como Michele Costa Caetano, Gonzalo Vecina ressalta a urgência na restauração imediata do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). Essa medida é essencial para embasar discussões cruciais sobre saúde pública, não apenas nacionalmente, mas também em âmbito internacional, ancoradas em estatísticas e evidências robustas. Uma dessas discussões urgentes, conforme Vecina destaca, está relacionada à administração de medicamentos a pacientes em estado de grande sofrimento.
Ao apontar que o Brasil apresenta uma taxa per capita de consumo de medicamentos para dor que é apenas um décimo da taxa europeia, Vecina enfatiza a urgência de acompanharmos não apenas a produção, mas também o consumo efetivo. Essa abordagem é crucial para compreender e abordar adequadamente a questão do cuidado à saúde dos pacientes brasileiros, especialmente quando se trata do ciclo do alívio da dor, cuja negligência é considerada desumana. Restaurar o SNGPC é, portanto, uma ação vital não apenas para a saúde nacional, mas também para proporcionar uma contribuição significativa às práticas globais de saúde pública.